Inferno!

terça-feira, agosto 22, 2006

"É preciso sair do país para enxergar o prestígio e o tamanhão do Benfica em todo o mundo. Estive três anos em França, no Marselha, joguei num estádio fantástico, o Vélodrome, convivi com grandes jogadores como Papin e Waddle, mas o Benfica estará sempre no meu pensamento.
Os meus companheiros de equipa não percebiam muito o meu entusiasmo pelo clube, já que sabiam pouco do futebol português, embora reconhecendo o tremendo historial do Benfica.

Durante os primeiros tempos tive de aturar os comentários de Papin, logo desde o início, sempre que jogávamos em casa.

Uns dias antes de cada jogo, o Papin chegava para mim e me dizia: "Mozer, vais ver o que é um estádio cheio e um ambiente terrível." Terrível para os outros. Não sei se o Papin dizia isso para me intimidar, já que era novo no clube e não percebia muito daquela conversa. Mas para mim, sempre pensava: "Este cara precisava de jogar no Maracanã ou no estádio da Luz, cheios." Era o que eu pensava.

Até que, na taça dos campeões, nas meias-finais, o Benfica calhou no caminho do Marselha. Fiquei, ao início, desgostoso, porque ia defrontar o meu Benfica, o clube que os meus companheiros sabiam que eu adorava. Me lembro de Sauzée, o meu zagueiro do lado me ter perguntado: "Você vai estar em condições de jogar contra o Benfica?" Aí, senti que beliscavam o meu profissionalismo. Nos dois jogos joguei a duzentos por cento.

Depois do primeiro jogo, em Marselha, uns dias antes de jogarmos na Luz, virei para o Papin e lhe perguntei: " Papin, você quer mesmo ver o que é um estádio cheio, com 120 mil a gritar todos para o mesmo lado?" Engraçada a reacção do Papin: "Você, está querendo me meter medo, Mozer?" Não estava não e por isso lhe disse para esperar para ver. E já agora, tremer. Pois bem, chegou o dia, chegámos no estádio da Luz e fomos logo indo para os balneários. Muitos risos, muita convicção de que íamos jogar a final da Copa dos Campeões. Lembro até que Tapie disse aos jornalistas franceses que lhe podiam chamar de Bernardette se o Marselha perdesse a eliminatória.

Antes de subirmos ao relvado, para o aquecimento, Papin ainda troçou de mim, dizendo que estava já "tremendo de medo". E ria-se bastante.

Os jogadores foram saindo do balneário e eu atrasei um pouco, porque estava colocando uma ligadura no tornozelo. Quando cheguei perto do túnel de acesso ao estádio, começo a ver os meus companheiros, completamente assustados e todos do lado de dentro, não querendo entrar. Só depois percebi que, nessa altura o Eusébio foi chamado ao relvado para receber uma homenagem e foi aí que o estádio quase vinha abaixo. Logo no momento em que os meus companheiros do Marselha se preparavam para entrar. Claro que voltaram atrás assustados e me perguntado: "O que era aquilo?".

Aquilo respondi eu, é o INFERNO DA LUZ. Aí todos começaram a me dizer para ser eu o primeiro a avançar, subi as escadas, entrei no relvado, não fui mal recebido e quando olhei para trás, estava sozinho. Espreitando, à saída da escadaria estavam alguns dos meus companheiros do Marselha, ainda com um olhar de medo e só nessa altura começaram a entrar. No regresso às cabinas, perguntei a Papin: "Já sabes agora o que é um estádio cheio e um grande ambiente?" A resposta, nunca mais a esqueci: "Mozer, nunca vi uma coisa destas. Tudo isto é incrível. Sempre tiveste razão, o Benfica é ENORME!" Naquela noite, o Marselha perdeu, fiquei triste mas senti orgulho pelo Benfica. E já agora, naquele balneário, fui o único a ter uma vitória. Foi uma vitória moral, sobre aqueles que não acreditavam na grandeza do Benfica."

José Carlos Mozer "Pela Mística Dentro"

Comments

7 Responses to “Inferno!”
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Nunca pensei que um arruaceiro como o Mozer - um dos maiores que já passou pelo futebol português - conseguisse articular tantas palavras seguidas...

11:34 da manhã
Claw disse...

Confesso que também fiquei impressionado... são as maravilhas do corrector ortográfico do Word... pena é que ele utilize a versão BR!

Parece que a eclética e intelectual galeria do universo futebolístico foi contemplada com mais um membro! Carlos Mozer já faz parte da elite composta por Gabriel Alves, João Pinto, Jorge Jesus e tantos outros....

11:49 da manhã
Anónimo disse...

Estou intrigado quanto ao autor deste excerto.

Estava convencido, como o público em geral, que o Mozer era incapaz de comunicar por outro meio que não o grunhir violento e gestos primatas.

Pensando para os meus botões e dado que o LF Orelha não comunica de forma muito diferente da acima referida, estou convencido que tão ilustre prosa de ficção científica, só pode ser da autoria do histórico presidente: o grande João Vale e Azevedo que a concebeu na totalidade sentado na retrete da sua cela no estabelecimento prisional da PJ...

3:31 da tarde
J disse...

Estive, várias vezes, no (antigo) Estádio da Luz, a rebentar pelas costuras, e é sem dúvida um espectáculo impressionante. Mas, confesso que sou um pouco avesso a estádios grandes. Habituado que estou ao pequenino Estádio José Gomes, na Reboleira, e outros pequenos campos de clubes de divisões inferiores de Lisboa, custa-me entrar num estádio da dimensão do Estádio da Luz, e ver tudo lá muito ao fundo... Mas arrepia ouvir 120 mil almas em uníssono, e isso, infelizmente, o meu clube nunca me proporcionou!

6:56 da tarde
Anónimo disse...

Só queria dizer que Benfica é = a cocó.

9:19 da manhã

Ao digno autor deste post apenas tenho a dizer, tendo em vista o exercício do contraditório, que já me encontro a transcrever, para versão word e posterior publicação integral neste blog, o livro "Aprende e diverte-te com os 100 anos do Sporting".

Notem que escolhi este livro por pretender atingir o mesmo "público alvo" daquele outro que contém o excerto transcrito pelo autor deste post.

Para quem esteja curioso aqui fica o link:
http://www.sporting.pt/Loja/CategoryProducts/CategoryProducts20SCP.asp

Cumprimentos

12:18 da tarde
Mens Insana disse...

A grandeza do Glorioso é inominável....e todos os que tentam denegrir ou escamotear, padecem única e exclusivamente de um sentimento de inveja e tristeza por não fazerem parte de um gigante do futebol mundial, com um nome além fronteiras que extravasa o de Portugal.

2:19 da tarde