Sou um gajo dado a pesadelos, confesso. Não raras vezes, acordo com suores frios, quentes, e até mornos, sonhando com o Ascensão a perguntar-me, directamente, o que é um acto de comércio; com o Januário a excursar, longamente, (muitas vezes a noite toda) sobre o conceito de baldio e de expropriação, e até com a Fernanda a falar do Kant (Deus guarde a sua alma). A experiência mais próxima de um sonho molhado que alguma vez tive, foi com o Miranda, a discursar, a dois palmos da minha cara sobre a Constituição do Uganda.
Já pensei em recorrer a ajuda mas temo que não tenha remédio. São feridas de guerra, maleitas semelhantes às que aparecem “quando o tempo muda” e com as quais, mais tarde ou mais cedo, se aprende a viver e eu acho que já aprendi.
Sou um gajo dado a pesadelos, dizia, mas nunca imaginei que pudesse sofrer um como o que veio pela caixa do correio esta semana e, pior que tudo, era real.
Recebi uma carta, mas logo que olhei para o remetente confesso que o coração acelerou e não foi da arritmia que teima em não me largar. Era do Ministério da Defesa Nacional. Admito que o primeiro pensamento que tive foi: vou ser condecorado pelo Sampaio! Mas depois pensei melhor. O que é que eu fiz para merecer uma condecoração? Nada. Mas os outros também não fizerem nada, por isso, a esperança manteve-se. Teria sido da árvore que plantei na primária? Mas se bem me lembro secou, quando se tornou moda os canídeos (incluindo os de duas patas) irem lá mijar.
Naahhh, isto deve ser outra coisa, pensei…e era. “Convocamos V.Exa. para o dia da Defesa Nacional….”. Merda, pensei, e eu que julgava estar livre disto. Resumindo: adiei tudo o que tinha a ver com a tropa e quando acabei de estudar esqueci-me deles, provavelmente esperando que também eles me tivessem esquecido, mas não. Com tantos gajos, não podiam esquecer-se de mim…!!
Significa isto que., num dos próximos meses vou ter de ir, com mais uma centena de mancebos (e eu a pensar que já estava mais perto da reforma do que da mancebia quando se recusaram a renovar-me o cartão jovem), a uma base naval qualquer a ouvir falar das virtudes do exército e, imagine-se o bónus, se quiser alistar-me eles recebem-me de braços abertos e até me oferecem um bolo no aniversário. Quero mas é que eles se danem!
Liguei imediatamente para lá, tinha de me livrar daquilo e, além do mais, a minha sensibilidade dizia-me que aquela convocação era mais inconstitucional que uma lei fiscal retroactiva.
Atendeu aquilo que me pareceu ser um espécimen feminino cujo nome já não recordo. Tentei tudo, confesso, “sou imigrante”, “sou cantor pimba”, “tenho os pés chatos” mas nada resultou. Até perguntei se podia objectar de consciência. “Mas não vai à tropa, vai só ver como é que aquilo” dizia a manceba aturdida com a minha insistência. Mas eu sou contra tudo o que tem a ver com tropa, retorqui. Em desespero de casa lancei um “SOU DO BLOCO DE ESQUERDA não tá a ver??”. Mas nada, a soldada (suponho que seja soldada porque os oficiais não devem atender telefonemas dos mancebos) insistiu: “tem de ir e tem de ir e se não for tem penalidades”… e blá blá blá. Aquela mulher é uma verdadeira arma de guerra, uma máquina de matar, não demonstrou um pingo de sentimento – deve ter treino de operações especiais ou comandos, pensei.
Mas não desisti: “olhe, e se por acaso eu estiver doente nesse dia e com atestado e tudo?”. Fez-se silencio, a soldada hesitou um instante, pensou e - “pois, se for assim, não tem de vir, mas depois chamamo-lo outra vez!!!”
Mau…, lembrarem-se de mim uma vez até pode ser um elogio, mas duas vezes é gozo, e como não sou gajo de adiar o inevitável, avancei mais a sério. “Olhe Sra. soldada, e como é que me livro disso de uma vez por todas???” Confesso que estava disposto ao suborno, não pelo montante que oferecerem ao Sá, mas uns maços de tabaco de contrabando que um amigo me arranja.
Resposta da Sra.: “tem uma cunha?” Óbvio, como é que não me lembrei disto antes?
É pois este o motivo destas linhas, preciso de uma “cunha” para me livrar do dia do não sei quantos, em que estou convocado para ver uns barcos velhos e cheios de ferrugem e, sinceramente, não quero ir.
Já tenho pesadelos suficientes, não quero que a próxima personagem dos meus sonhos seja o Paulinho, vestido de marinheiro montado numa traineira cor-de-rosa a acenar-me…. até me arrepio só de pensar!!! A isto jamais sobreviveria.
Se não houver nenhuma “cunha”, deixem, pelo menos, uma ideia quanto à inconstitucionalidade da convocatória porque, em desespero de causa estou decidido a avançar para o Provedor de Justiça e o único argumento que me lembro é o da retroactividade prejudicial ao contribuinte, mas que aqui é capaz de não ser suficiente.
Do fundo do coração, e desde já, o meu mais sincero obrigado.
Já pensei em recorrer a ajuda mas temo que não tenha remédio. São feridas de guerra, maleitas semelhantes às que aparecem “quando o tempo muda” e com as quais, mais tarde ou mais cedo, se aprende a viver e eu acho que já aprendi.
Sou um gajo dado a pesadelos, dizia, mas nunca imaginei que pudesse sofrer um como o que veio pela caixa do correio esta semana e, pior que tudo, era real.
Recebi uma carta, mas logo que olhei para o remetente confesso que o coração acelerou e não foi da arritmia que teima em não me largar. Era do Ministério da Defesa Nacional. Admito que o primeiro pensamento que tive foi: vou ser condecorado pelo Sampaio! Mas depois pensei melhor. O que é que eu fiz para merecer uma condecoração? Nada. Mas os outros também não fizerem nada, por isso, a esperança manteve-se. Teria sido da árvore que plantei na primária? Mas se bem me lembro secou, quando se tornou moda os canídeos (incluindo os de duas patas) irem lá mijar.
Naahhh, isto deve ser outra coisa, pensei…e era. “Convocamos V.Exa. para o dia da Defesa Nacional….”. Merda, pensei, e eu que julgava estar livre disto. Resumindo: adiei tudo o que tinha a ver com a tropa e quando acabei de estudar esqueci-me deles, provavelmente esperando que também eles me tivessem esquecido, mas não. Com tantos gajos, não podiam esquecer-se de mim…!!
Significa isto que., num dos próximos meses vou ter de ir, com mais uma centena de mancebos (e eu a pensar que já estava mais perto da reforma do que da mancebia quando se recusaram a renovar-me o cartão jovem), a uma base naval qualquer a ouvir falar das virtudes do exército e, imagine-se o bónus, se quiser alistar-me eles recebem-me de braços abertos e até me oferecem um bolo no aniversário. Quero mas é que eles se danem!
Liguei imediatamente para lá, tinha de me livrar daquilo e, além do mais, a minha sensibilidade dizia-me que aquela convocação era mais inconstitucional que uma lei fiscal retroactiva.
Atendeu aquilo que me pareceu ser um espécimen feminino cujo nome já não recordo. Tentei tudo, confesso, “sou imigrante”, “sou cantor pimba”, “tenho os pés chatos” mas nada resultou. Até perguntei se podia objectar de consciência. “Mas não vai à tropa, vai só ver como é que aquilo” dizia a manceba aturdida com a minha insistência. Mas eu sou contra tudo o que tem a ver com tropa, retorqui. Em desespero de casa lancei um “SOU DO BLOCO DE ESQUERDA não tá a ver??”. Mas nada, a soldada (suponho que seja soldada porque os oficiais não devem atender telefonemas dos mancebos) insistiu: “tem de ir e tem de ir e se não for tem penalidades”… e blá blá blá. Aquela mulher é uma verdadeira arma de guerra, uma máquina de matar, não demonstrou um pingo de sentimento – deve ter treino de operações especiais ou comandos, pensei.
Mas não desisti: “olhe, e se por acaso eu estiver doente nesse dia e com atestado e tudo?”. Fez-se silencio, a soldada hesitou um instante, pensou e - “pois, se for assim, não tem de vir, mas depois chamamo-lo outra vez!!!”
Mau…, lembrarem-se de mim uma vez até pode ser um elogio, mas duas vezes é gozo, e como não sou gajo de adiar o inevitável, avancei mais a sério. “Olhe Sra. soldada, e como é que me livro disso de uma vez por todas???” Confesso que estava disposto ao suborno, não pelo montante que oferecerem ao Sá, mas uns maços de tabaco de contrabando que um amigo me arranja.
Resposta da Sra.: “tem uma cunha?” Óbvio, como é que não me lembrei disto antes?
É pois este o motivo destas linhas, preciso de uma “cunha” para me livrar do dia do não sei quantos, em que estou convocado para ver uns barcos velhos e cheios de ferrugem e, sinceramente, não quero ir.
Já tenho pesadelos suficientes, não quero que a próxima personagem dos meus sonhos seja o Paulinho, vestido de marinheiro montado numa traineira cor-de-rosa a acenar-me…. até me arrepio só de pensar!!! A isto jamais sobreviveria.
Se não houver nenhuma “cunha”, deixem, pelo menos, uma ideia quanto à inconstitucionalidade da convocatória porque, em desespero de causa estou decidido a avançar para o Provedor de Justiça e o único argumento que me lembro é o da retroactividade prejudicial ao contribuinte, mas que aqui é capaz de não ser suficiente.
Do fundo do coração, e desde já, o meu mais sincero obrigado.
Comments
6 Responses to “O Dia da Defesa Nacional”
Post a Comment | Enviar feedback (Atom)
Meu caro: como é hábito em tudo neste país, é necessária uma cunha...o que de acordo com espírito de estreita cooperação e cumplicidade que há entre as pessoas, não deverá ser difícil de arranjar... Senão não te preocupes...oferecem-te um lápis, um caderno, alguns postais e ainda tens direito a um magnífico almoço à moda da Manutenção Militar (apenas superada pela tasca do Zé Queimado, na estrada nacional 394 a caminho de Paderne....)
11:27 da manhãÓ homem.. isso é uma emboscada!Tu não vás nisso! eles apanham-te.. metem-te um "quico" na cabeça e obrigam-te a casar com a tropa!E tudo isto por causa de um almoço à borlix..(toda a gente sabe que se come mal na tropa!)Se queres liberdade, aconselho-te a comparecer no repasto, vestido de pavão e cheio de plumas, espirrando compulsivamente!
2:42 da tardeFaz-te mas é homem e vai para a tropa pá. Qual Bloco de Esquerda qual picolho, qual quê.
4:31 da tardeUm homem não é homem se não for à tropa.
Precisamos de sangue novo nas nossas forças armadas. E nem com cunhas se vai safar! Não seja o português comum...sempre a chorar! Faça-se homem e assuma o compromisso com a pátria!
7:26 da tardeP.S.: Pelos comentários que vi acima, a experiência militar dos dois primeiros pardalinhos, só pode ser mesmo a delirar com o Zé Castelo Branco na 1ª companhia...
Caro Almirante
11:27 da manhãPrimeiro que tudo permita-me agradecer-lhe a força transmitida. Porém, o problema é que, como menciono expressamente no texto, o meu sangue já não é novo e caminho a passos largos para a reforma. Daí que me pareça que o meu contributo para as forças armadas fosse demasiado exíguo. Temo mesmo que, dado o avançado da idade e as precárias condições físicas, esteja condenado a passar a maior parte da recruta no Hospital da Estrela a servir de experiência aos talhantes que lá desenvolvem a sua actividade.
Por este motivo, e só por este motivo, acho que o melhor contributo que posso dar às forças armadas portuguesas é manter-me longe de qualquer base militar e que qualquer coisa que seja verde (com excepção, claro está, ao SCP).
Melhores Cumprimentos
PS: Relativamente aos comentários deixe-me dizer-lhe que o primeiro é da responsabilidade de um cozinheiro da Manutenção Militar, com larguíssima experiência em diversas bases militares nacionais e internacionais, recentemente condecorado pelo chefe máximo das Forças Armadas com a Grão Cruz da Ordem dos cozinheiros, devido às suas sopas de tomate sem àgua.
O segundo... é o próprio José Castelo Branco.
Já passaram uns belos 16 anos desde que fui a tropa e voltava se fosse preciso .
2:59 da manhãBelas noites na caserna a comer presunto e a beber vinho tinto tudo na desportiva
Agora pergunto eu
Porque obrigam as mulheres mães solteiras com filhos de tenrra idade a ir ao dia da defesa se elas tenhem mais que fazer do que passar um dia a olhar para aquela malta contra a vontade ????????????????????????????????????????
Enviar um comentário